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Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Seu Oscar da farmácia.

Ela olhava o teto da farmácia como se não fosse com ela. O ar ingênuo de menina nova ignorava os impropérios. Mas lá, do alto da escada de correr, a frente das prateleiras forradas de remédios e a vista de todo mundo, seu Oscar bradava sua costumeira indignação. Afinal, eram as mudanças do tempo que ele não conseguira acompanhar, onde já se viu, ele, naquela idade, cavanhaque branco do tempo, farmacêutico graduado na escola de enfermagem de Faculdade Federal, um homem de bem, de valor, atender uma desavergonhice daquelas. E ela ali. Parada batendo o pé como se nada estivesse acontecendo.
- Vergonha. Falta de vergonha. Não tem cabimento. Se fosse minha filha eu botava interna no São José e não tinha saída nem Domingo de Ramos.
Em toda Itapagipe a fama de conservador de seu Oscar corria longe. Patrono do São Salvador, melhor padrão de regatas que a Bahia já viu, benemérito dos Romeiros do Senhor do Bomfim, Irmão Capuchinho e “Cadeira Cativa” no andor da procissão do Senhor Mortono fim do ano, ele era o que poderia se dizer um homem com idéias próprias sobre moral e bons costumes.
- Messalinas. Onde já se viu. E eu a me sujeitar um desplante desses.
Ninguém estranhava mais cenas como aquelas, afinal tava na TV fazia tempo. Até o Governo Federal e Estadual, já de muito dava guarida e recomendava a serventia do dispositivo. Era uma questão até de segurança, de proteção, de modernidade. Mas seu Oscar não. Modernidade os quintos do Judas que ele não ia ficar fazendo papel de besta se expondo moralmente, na farmácia que fora de seu pai, outro grande homem de bem, que Deus o tenha em boa guarda, atendendo a essas modernidades que aparecessem pensando que Rede Globo de Televisão pode mudar os costumes de quem sempre dormiu de pijamas, portou guarda-chuvas, escreveu a mão e não admitia o pouso do homem na lua, sendo isso tudo na verdade uma invenção da televisão cheia de truques do cinema americano, tudo para manter o Brasil e outros países do terceiro mundo, coisa que eles mesmo inventaram, essa história de terceiro mundo, mesmo prova disso é que ele, com sessenta e dois anos, nunca tinha ouvido falar em país do segundo mundo – taí mais uma prova até – e ele não achava graça nenhuma nisso.
- Coisa de quem tem doença. De quem não tem vergonha de guarda noturno nem também de chegar em casa de madrugada, com os sapatos no dedo, de mansinho e ainda dizer a mãe que tava com o pessoal conversando na esquina. Eu mesmo que não acreditava. Falta e cinta, tabica, falta de cinturão.
Ela? Impassível. Bolsa aberta, esperava apenas seu Oscar acabar o discurso e despachar logo de vez o pedido pra ela pagar e ir embora que o cara no Gurgel já tava buzinando. A farmácia podia vir abaixo que ela não se abalava. Deus era testemunha de que com vinte anos, já trabalhando e independente não iria dar ouvidos a ninguém. Muito menos a seu Oscar.
No caixa, pelo buraco no vidro numa última tentativa de envergonha-la e com isso dissuadi-la da idéia de adquirir tal produto, seu Oscar encostou a boca e lascou.
- E pra curar essa gonorréia não vai querer nada não?
Impassível, ela olhou nos olhos do velho farmacêutico. E num misto de pena e benevolência suspirou.
- Seu Oscar, não são duas camisinhas. São duas caixas.

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