Nota:

Minha foto
Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Palavras

O poeta ama em fim suas palavras.
Em princípio, elas não o traem, não o censuram, não questionam a ele os sentidos ou apuram lógica qualquer. Palavras lhe são carinhosas quando assim ele as necessita e duras o quanto preciso o é. Fiéis seguidoras, as letras alinhavadas, costuram suas carências, vazios e pedaços rasgados do coração. Bem ajuntadas, proporcionam-lhe a lascívia enquanto ele seduz-se na grita por prazer sem culpa. Se por ira ele escreve, mesmo assim, os versos lhe serão fiéis e desejáveis.
Amáveis ou cruéis, palavras são verdadeiras aos ouvidos do poeta e sendo de próprio punho serão as únicas coisas verdadeiramente suas. Para sempre, suas em sua solidão.


Para

Não. Pode parar. Para, para, para. Poxa para gente, é sério ó. Não, olha, presta atenção aqui que eu tou falando com vocês, para poxa vida. Parou. Parou. Parou. Deus! Ninguém ta ouvindo não é? Pedi pra parar, sacanagem gente, eu aqui falando e ninguém para; poxa ajuda aqui, dá uma parada ai ó.
Quer saber de uma coisa? É lasca mesmo viu? Para um pouquinho só, dá um tempo, deixa eu respirar, acalmar, tentar entender, aí depois vocês continuam, só tou pedindo uma paradinha.
Custa? Custa dá uma parada, uma freada, um reduzida sei lá, custa? Ok ta certo, reduz então, eu topo, diminui que eu pulo. Ai vocês seguem desse jeito, fazem como quiserem, vai assim mesmo, fica como está, mas vão sem mim. Eu desço aqui. Sei, sei, se eu pular vou me arrebentar todo, sei bem. Mas me arrebento logo de uma vez e não fico me machucando aos pouquinhos. É melhor.


terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Invisível

Era invisível. Era invisível quando ela deixava a casa dos patrões pelos fundos da cozinha, quando ele se curvava a polir o couro dos sapatos, quando ele apertava os botões do elevador enquanto abria e fechava a porta de metal frio, quando ele despedia-se dos zelados envelopes à porta das casas, quando ela estendia o troco pela meia lua aberta no pé do vidro, quando ele oferecia-lhe a xícara de café e sumia em silêncio como a fumaça da fervura, quando ela só, à noite, aspirava e aspirava mais, kilômetros de carpetes ainda frios do ar condicionado, quando ele subia nos postes das ruas e remendava conversas esticadas em fios negros, quando ele sentava-se à porta do prédio, a olhar a imagem estática da garagem, na pequena TV preto e branco, quando ela lhes oferecia uma rosa de papel vermelho por entre as mesas ruidosas, quando carimbava, quando costurava, quando soldava, quando lavava, quando desentupia, quando esculpia, quando empacotava, quando imprimia, quando trocava as fraldas de um filho que não seu, era invisível.
Não sei se a invisibilidade trás alguma alegria, só sei que deve haver nisso um muito de paz.


Tão pardo

Talvez fosse aquele relógio enorme na torre da estação a única testemunha de tudo. Às sete e trinta ele chegava caminhando à esquina no centro da cidade e às sete e trinta e cinco corria para o alto a pesada porta de ferro ondulado, abrindo a garganta de promessas da banca de revistas.
Às oito já estaria sentado no velho banquinho de madeira, tampo polido por vinte e cinco anos de fundos de calças, tão amassadas quanto o papel da maçã. Cigarros, barbeadores descartáveis, cartões telefônicos, balas, chocolates e uma indescritível variedade de pequenas coisinhas brilhantes e plastificadas, confundiam-se às capas de revistas e manchetes de jornal. Ali, emoldurado por tantos matizes, ele permaneceria pardo até às dezoito horas.
Era por já não distinguir os diferentes sabores das guloseimas que ele mesmo vendia sem provar, por não retribuir os sorrisos de tantos artistas a lhe fitar, permanentemente estampados em papel couché, por já não se sentir tocado pelas imagens apelativas de acidentes, assassinatos e escândalos noticiados e por já não mais conseguir contar quantas mãos lhe eram estendidas por dia, sem que uma sequer fosse para apertar a sua, que ele parara de sorrir.
A banca de coloridas ilusões momentâneas não era seu viver, pois seu viver se tornara olhar àquele relógio na estação.
Havia horas que ele realmente odiava o pesar dos minutos de realidade estampados nele. Via em segundos, seus sonhos se perderem na poeira de um tempo não vivido e agora tão pardo.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O presente

Lembrar é tomar às mãos, levemente, velhas fotos em preto e branco corroídas pelo tempo, mal tratadas pelo esquecer e arranhadas por lágrimas perdidas. Mas, ao tocá-las a gente pode ver todo aquele momento outra vez no mesmo colorido singular.
Sonhar é fazer planos perfeitos para uma realidade tangível como um barco que chega ao seu destino antes mesmo de deixar o porto de partida. É como sentir o calor do corpo de um filho embalado ao peito antes mesmo dele ter nascido.
Mas, não há como viver de lembranças assim como nada sobrevive apenas de planos futuros. Vive-se o presente, o hoje e o agora.
Ah! Quem me dera a dádiva de viver meus momentos passados. Escolhidos à dedo, fariam um conjunção perfeita de sintonia e júbilo eterno. Quem me dera o poder de viver só em meus sonhos, um viver só de planos concretizados. Seria uma lista infindável de prazer e alegria.
Vive-se o presente como disse, assim, tento fazer dele o sonho de ontem para que permaneça como uma  boa lembrança amanhã.


Planos de dizer sim.

Sim vou esquecer o não. Ao menos tentar não ouvi-los, não senti-los ou mesmo pronunciá-los. Numa última negativa direi não aos nãos. Quero viver um “daqui pra frente” repleto de sims.
— Sim, adoraria jantar com você.
— Sim, mais uma taça seria ótimo.
— Sim, adorei a noite passada.
— Sim, vamos viajar juntos.
— Sim, amei o anel.
— Sim, aceito sim.

Você sabe o que é o encanto? É ouvir um sim como resposta sem ao menos ter perguntado nada.

Cartas


A vida não consiste em ter boas cartas na mão e sim em jogar bem as que se tem.
Sei sim tenho boas cartas na mão. Queria só saber o que fazer com elas.
Acho que o meu mal é não saber jogar.