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Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Hit Del


Às vezes a gente tenta deletar uma pessoa da nossa vida e vira e mexe você se pega recuperando o arquivo na lixeira. Esvaziar-se, por vezes, é absolutamente necessário. A decepção é um vírus.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Parente próximos

Beijaram-se na cozinha como não faziam fazia tempo.
Desde Agosto não se viam e já era Novembro.
A mão bruta, cheia de unhas por aparar, rasgou-lhe as meias de nylon que cobriram as coxas vergadas, por sobre as próprias suas, emolduradas pela saia erguida. Ambos eram só gemidos, amassos e suspiros, misturados a cabelos desalinhados, batom borrado e saliva. O rosto dela, arranhado pela barba mal feita, cobria-se do mesmo rubro que ele escondia nas costas arranhadas. Na blusa de seda prata faltava-lhe um primeiro botão, enquanto no pescoço dele, pendia-se uma gravata de nó, agora tosco, espremido à gola de linho, como se saídos de um atropelamento.
Não emanavam mais perfumes, só suor.
A luz fluorescente, refletida nos azulejos imaculáveis, mal parecia-lhes a meia-luz de um abajur japonês e o cantar dos “ parabéns pra você”, vindo da sala, soava-lhes um tango.
A isso, teóricos chamam volúpia ao passo que os amantes o denominam “excitação”.
E eram beijos e abraços, arfar, torcer e esfregar, numa coreografia sincopada entre o volume involuntário, nascido nas calças dele e a umidade brotando entre as dobras dela.
"Muitos a-nos  -  de  -  vi-da."
Fez-se um “viva”. As velas sopradas trouxeram uma brisa de clareza aos entrelaçados num breve instante de consciência após os aplausos de parentes.
-Meu Deus meus filhos, meu marido, minha casa, meu casamento. Minha segurança. – ela pensou.
- Que coxas, que peitos, que língua, que tesão. – sentenciava o pensamento dele.
Repentinamente, um cão latiu no quintal trazendo-lhes a razão. Culpados, ajeitaram-se como puderam. Afastados, baixaram as vistas, um do outro, como se pena pelo crime fosse.
Sairiam dali calados e em culpa, de volta às realidades cotidianas dos familiares. Apaixonados em silêncio, dissimulados no dia-a-dia, infelizes na verdade.
Talvez no Natal, talvez outra vez, talvez.

sábado, 1 de outubro de 2011

Já que você não é quem parece ser...

-Mauro?
O poeta virou-se e se deparou com o rosto inconfundível do velho conhecido.
-Capitão? Nossa, que prazer rever o senhor.
Bom, capitão ele não era, aliás, por excesso de contingente havia jurado bandeira e nunca servira às Forças Armadas na vida. Mas o poeta, o Mauro, conhecido de infância insistia:
-Capitão, que surpresa.
-Pois é né? – Diabos falar o que? Nessas horas um “Pois é” parece ser a melhor opção e, na pior das hipóteses, serve de anestésico para o mal entendido que se avizinhava. Na cabeça ele pensava enquanto sorria amarelo: Que porra de capitão o Mauro ta pensando que eu sou?
-Você por aqui? Que coisa hein? Nunca imaginei capitão.
Capitão de novo.
-É né, eu tava só passando e ai então...   Foi ai que ele tomou o caminho errado. Na bifurcação ele tinha duas placas: Uma dizendo “Fala logo que ele ta te confundindo com outra pessoa” e outra escrito “Não vai deixar o Mauro sem graça.Deixa ele pensar que é você o tal capitão que isso não é nada demais”. Foi essa última a sua opção achando que iria ser rapidinho, depois um xáu e pronto.
- Poxa capitão a Glória vai adorar te ver. Glória! -gritou- Glória, –gritou de novo- vem ver quem eu encontrei, vem.
- Olha Mauro eu tou até com um pouquinho de pressa.
-Não, não, não, espera um pouco, faço questão que o senhor escute direto da boca da Glória.
Ai lascou, a coisa tava complicando. E a Glória chegou e disse:
-Capitão! Deus do céu que coisa boa encontrar o senhor.
-Que é isso? O prazer é meu.
Pronto, enfiou o pé. Falar “eu”, “meu”,”nosso” é fatal, é assumir que você é quem você não é.
-Nossa capitão, não, falando sério, o que o senhor fez por mim eu não tenho nem como agradecer.
-Que é isso Glória, a senhora sabe que fiz de todo coração.
Putz! Tava se enrolando cada vez mais. Mas, na cabeça dele, agora não tinha volta, o melhor era tentar ser gentil e, no mínimo, não sujar a barra do capitão.
-Capitão não se fazem mais pessoas assim como o senhor, o senhor é uma alma boa, leal, honesto, um verdadeiro cavalheiro.
-E um verdadeiro brasileiro. Um patriota. –Proclamou o poeta.
-Que é isso amigos, vocês assim me deixam encabulado.
-Modesto, modesto também. Tá vendo Glória? Isso é que é.
Bom, agora não tinha mais jeito, o estrago tava feito. Mas na despedida ele ainda foi capaz de piorar as coisas mais um pouquinho.
-Poeta, Dona Glória, foi um enorme prazer revê-los, mas tenho que ir. Porém só mais uma coisinha: É que vocês estão sendo tão gentis comigo, assim tão elogiosos que eu fico até meio constrangido de falar, mas o fato é que eu não sou capitão.
O casal espantou-se, que coisa, que engano, que desagradável. E ele, tocando as pontas dos dedos no ombro disse:
-Não se assustem, é que fui promovido. Agora sou coronel.