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Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Deuses aposentados.

E por onde andam Tupã, Apolo, Osíris, Wakantanka e outros tantos deuses desaparecidos? Por certo, depois de tantos séculos de honrosa prestação de serviços à humanidade chegou a hora da merecida aposentadoria. De pijamas assistindo a CNN, o Jornal Nacional e sem a pesada responsabilidade de garantir a colheita, curar doentes, enriquecer gananciosos e até perdoar as nossas dívidas, eles devem estar se divertindo espiando de fora o destino do povo aqui na Terra.
— Você viu o Katrina? Pergunta Croom.
— Não tenho nada com a ver com isso. — Responde Seth.
No centro da sala sentado numa nuvem Zeus sorri com ares de superioridade.
— Não venha não Zeus. — Retruca uma pedra negra esquecida num canto e aposentada a mais tempo que os outros. — Não venha não viu?
Desde que o mundo é redondo e talvez um deus criou o primeiro homem e a primeira mulher, alguém, que não tinha mais o que fazer, resolveu explicar o inexplicável: Porque chove? O que é o Sol? Quem faz as ondas? Porque aquela índia horrorosa tem dois maridos e eu não? E aí, alguém, um pouco mais esperto disse:
— Foi Deus que quis.
Pronto tava explicado e ponto final.
Tava criado Deus. E junto, de quebra, tava criado o Pastor ou Gurú, Padre, Pajé, Guia, Oráculo, que era só quem falava com Deus e pior, em nome de “Dele”.
— E aí Xamã? Será que minha mulher tá me traindo?
— Trás ai um cordeiro que eu vou ler no bucho dele falou?
E é claro, depois de lido, o Xamã iria rechear o cordeiro com farofa, azeitonas pretas e folhinhas de hortelã. Uma receita Di-vi-na. Tava criado o dízimo.
O mais incrível é que Deuses brotaram aos borbotões por todo o mundo e é claro, sempre na mesma medida que nasciam os seus representantes na Terra. E Deuses controlavam a natureza, os sonhos, o futuro, o destino, a Bolsa de Nova Yorque. O mundo já teve Deus do fogo, da água, da terra, do ar, acreditem já teve Deus até pra bacanal.
Com o tempo e o tamanho do apetite do clero deuses saiam da moda. Se um Deus ficava muito chato o povo trocava e aparecia outro ou então um povo dominava o outro e dizia:
—Que nada! O Deus da gente é melhor. Olha só vou jogar vocês no fogo, se o Deus de vocês for porreta vocês não vão queimar, quer ver?
No outro dia tava todo mundo acendendendo vela e fazendo promessa pro Deus dos conquistadores e os deuses nativos eram aposentados compulsoriamente. Botavam o pijama e subiam aos céus. Mas com os novos deuses vinham as novas regras de moral e conduta e o que podia antes já não podia mais e vice-versa. Assim acabou a antropofagia, a pedofilia, sacrifício de virgem, dançar pelado na mata e até aquela estória de trabalhar dia de Domingo.
— E aí Gurú? Comer cachorro, dia de sexta-feira, depois das seis da tarde, sem tomar a bença a mãe e nem virar de lado pro totem é pecado? Deus castiga?
— Se não rechear o cachorro com farofa é pecado.
A confusão era grande. Você mudava de país mudava de Deus. Era muita regra nova, muita novidade, teve povo que viveu milhares de anos adorando a Lua aí saiu de férias e quando voltou teve um eclípse e o Pajé novo falou que a moda nova era um vulcão.
Mas os pastores e guias andavam meio de saco cheio de ventrilocar o divino e ficar cagando regra toda hora. Era tanta regra que tiveram de começar a escrever. Teve guia que subiu num morro e Deus falou com ele.
— Aqui estão os dez mandamentos que Deus mandou pra nossa tribo. — A voz do pastor ecoava no vale quando alguem gritou lá no fim da multidão:
— Mas só são dez?
— Eram quinze — respondeu —mas vai você tentar descer esse morro carregando três pedras desse tamanho. Uma caiu e quebrou.
Aliás, acho mesmo que depois de um certo tempo os Deuses começaram a falar bem baixinho, porque subir em morro pra escutar o divino virou mania em todo canto do planeta. Aí o cara descia do morro e na outra semana publicava um best seller, sucesso de vendas contendo as últimas determinações de Deus inclusive cassações de mandatos e impeachment de um monte de outros deuses. Não pode isso, não pode aquilo, olha Deus tá vendo, assim Deus quer, assim Deus mandou, se Deus quiser. Ficava mais fácil ainda adorar a Deus. Tava lá no livro, era só abrir e ler sem precisar ir perguntar ao Xamã. E inventaram também o templo, uma espécie de ponto-de-venda da “palavra” onde você vai e se conecta com Deus via rádio e resolve seus pepinos direto com o “homem”. Botaram lá no alto uma imagem do Deus, todo bordado a ouro, um monte de banquinho e você, de joelhos, fica diante do Senhor, do pastor e da caixa de óbulos. Prático não é? Tem quem diga que esses templos são a casa de Deus mas tá errado. Deus que se presa mora no céu, bem longe dos mortais e pecadores pra não ficar neguinho aí enchendo o saco batendo na porta e pedindo milagre.
Nos tempos de hoje anda até meio difícil trocar de Deus, ainda tem uns seis ou sete, com moral suficiente e um monte de fiéis, dando ordens no mundo. Bem embalados, com uma rede de franchisings bem distribuida, desígnios encadernados em capa dura e toda espécie de brinde e lembrancinha que você possa imaginar: Correntinha, chaveirinho, boné e camiseta, uma beleza de negócio. Mas a expansão de mercado tá ficando cada dia mais difícil. As provas do poder divino não sobrevivem mais a ciência moderna; a arqueologia, o Carbono 14, o microscópio e o Fantástico desmoralizam deuses numa pernada só. O jeito tem sido apelar pra ignorância e tentar ampliar o mercado na porrada com homem-bomba, mulher-bomba e até bomba-bomba.
Deus tá velho, chato e fora de moda. Ou Deus faz um MBA, uma pós-graduação ou um curso de extenção on-line pra se atualizar ou vai pegar o pijama rapidinho. O mundo já anda querendo novos deuses que estejam mais em dia com as questões sócio-culturais do capitalismo conteporâneo pós-industrial e finaceiro. Não há mais palavra divina que consiga dar conforto às carências do consumismo, do individualismo e da estética hedonista reinante no globo.
Deus precisa de um upgrade, seus representantes aqui na Terra perderam o rumo do mercado e andam morrendo de medo de perder a farofa. Um dia desses desce um disco voador aí, sai um carinha verde de dentro e diz:
— Bii, tathy tatuí, lholholhó.
E a gente vai ajoelhar no chão e dizer:
— Ohhhhhhhhhh!

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