Nota:

Minha foto
Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ou não

Um dia amara sim.
E assim queria amar.
Amar como quem ama o ar,
amar por necessitar,
não respirar, mas por amar.

Amara sim.
Amara assim.
Amara enfim.

Agora, sem amarras,
se vai em vão.
Pra onde iria?
Para onde vão?
Sem o amar o que são?

Há navios que fogem ao cais,
Há o que não revele sinais.
Há uma vida que não cabe mais.
Há que se saber quem são.
Se há a paz então,
Ou não,
jamais.

Pilar

   Há momentos em que a única solução, é partir em viagem que não termina, sabendo que pior que nunca chegar é nunca partir.
   Partir não por covardia, mas partir porque é melhor recomeçar do nada, que não ter sequer o nada para recomeçar. Pois nada justifica o som do pilão batido à toa, socado à suor, à calo, de pilar o vazio por hábito ou rotina, não o fazendo por querer, o fazendo pois é sina pilar, pilar e pilar. Pilar em oco e no pilão, se fazer em partes e, nas mãos se fazer em calos, até cessar. Então cesso e me calo. Recuso o pilar e parto.   
   Parto e partindo me parto repartindo as partes. Entrego um pedaço a cada um, e a cada pedaço, me entrego em partes um por um.
   Parto como quem vai voltar e encontrar na volta o vazio do nada que deixou para trás.

Infinitivo Pessoal

Já vesti tempestades,
dancei sorrisos,
engoli felicidades
e ergui abismos.

Provei ruídos,
bebi maldades,
troquei sentidos
e lavei saudades.

Cansei bondades,
chovi caminhos,
pintei vontades
e casei sozinho.

Já dormi silêncios,
feri magoados,
amei vestígios
e escrevi passados.

Por contradizer eu,

por contradizeres tu,

por contradizer ele,
por contradizermos nós,

por contradizerdes vós
,
por contradizerem eles,
é que me contradigo.

Pavê

   Findava o jantar. O casal e família, que nos recebera com a esperada cortesia suburbana no simpático apartamento financiado pelo BNH, prometia, de sobremesa, um pavê inesquecível. A conversa que antes gravitara entre programas de TV, preços de eletrodomésticos, escola das crianças e as más relações entre nossos colegas do banco, não sei bem por que, resultou no tema viagens de turismo. Ai veio a grande surpresa.
   –Ah, pera ai. – esclama o anfitrião – Antes do Pavê tem uma coisa que eu preparei pra mostrar a vocês: As fotos, em slides, da nossa lua de mel em Bariloche.
   Durante as horas seguintes, no anonimato da sala escura, ouviamos atentamente os comentários que se seguiam aos clicks do Carrousel Kodak:
   –Esse ai sou eu, a Ana e o casal lá de Blumenaú que a gente conheceu lá. Só não dá pra saber quem é quem por causa das toucas e dos óculos. Eu sou o de toca verde não é Ana? (Click) Ai foi na aula de ski, olha o tombo que eu levei! (Click) Aqui tomando chocolate quente,(Click) aqui no quarto do hotel, (Click) essa é com o pessoal no bar, (Click) aqui no segundo dia de aula, (Click) guerra de bola de neve, (Click) aqui, de toca verde é a Ana, a gente trocou nesse dia. (Click) No ônibus (Click), no bar do hotel outra vez com o Adhemar de pileque, (Click) última aula de ski. Foi nesse dia que eu desisti. (Click) Aqui entrando no teleférico pra subir o “Cerro Delas Nobias”. É Nobias ou Novias Ana?
   Não estando em Bariloche em meio à toda aquela neve e sim esquecido sobre a mesa de jantar, o esperado pavê derretia, mais feliz do eu. (Click).


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Sopa de letrinhas

     Havia sopa à noite em minha casa de criança. Sopa de massa de sopa. Sabe aquelas de toucinho e carnes gordas? Com cheiro de sal e óleo no fogo, cor nenhuma e promessa de satisfação alguma? Aquele líquido quente arrasado em prato fundo e fluido, ralo, minguado, transparente na fluidez? Era assim que era.
      Submersos, pequenos círculos levemente amarelados de massa de macarrão.
     Meu pai, na cabeceira, que ria de si mesmo rindo-se da própria pobreza, ciente da existência de umas tais massas de sopa com o alfabeto completo, observava os círculos e cunhava:
– Enquanto não tem sopa de letrinha vão aprendendo o Ó. – E ria.
     Mãinha, autora do prodígio culinário notívago, ficava arrasada com meu desprazer em engolir o caldo. À superfície, coágulos de gordura, tal qual amebas gigantes, gravitavam num ato de se entrefundir e repelir esperando a deglutição. Era a pior imagem. E mãinha ainda falava entre um tapão e outro:
– Toma sua sopa menino isso é o suor de seu pai.

Saudade eletrônica

Saudade é uma secretária eletrônica que repete sempre o mesmo recado: Adeus, adeus, adeus. (Bip!)

Ser feliz

O amor não é para te fazer feliz, mais sim para você fazer alguém feliz.

Apenas mais um dia

Ando encontrando corações pelo chão.
Ando engolindo gritos de uma amor amiudado.
Caminho com um olhar cravado nas costas
Enquanto arquivo projetos de felicidade.

Passo noites em quartos chuvosos
Escondendo um resto de sorriso que ainda mora em mim.
Quanto mais fujo mais me encontro
Vivendo sussurrado, timidamente em preto e branco.

São manhãs de refazer-se em fases,
De mandar lágrimas de volta aos olhos,
Aquietar sabores amargos em malas medrosas
E guardar o adeus por mais um dia.



segunda-feira, 24 de maio de 2010

Queda

Acordou bem.
Cabelos lavou. Secou, penteou, cremes passou, maquiou. Vestiu-se como se noiva fosse, de charme e encanto sem igual. Sorriu, não estava mal. Bela estava por sinal. Dia bom pela frente, brilhante, reluzente, um encanto renascido, posto em belo vestido, calçada desconfortável, mas a alma, tão estável, prometia um dia assim, adorável. Tinha planos por direito, um futuro tão perfeito que nada do que sabia poderia estragar tão belo dia.
Coitada, mal sabia.
Não quis o vil destino, como num tango argentino, que o dia lhe fosse assim. Nem rosas e nem jasmim, viria o caminho malfadado, de um tango mal tocado, lhe abandonar sem recado, o protetor querubim.
Mal a porta da frente abriu e a tragédia começava, pois ao passar despercebida a alça da bolsa comprida na maçaneta enganchava.
Levou um tranco no braço, seguido de longo trompaço açoitando a carga fora.
Você imagine o tombo, que fez na testa um calombo crescido na mesma hora.
O sapato perdeu o salto, deu com boca no asfalto voando um dente postiço.
Que queda mal desejada, prova da sorte afastada ou sinal de um bom feitiço.
Espatifada na lama, mal saída então da cama, levantou-se em plena calma fingindo dignidade.
Não apagou sua chama e nem fez o menor drama, pra manter tranquila a alma e a sua sanidade.
Olhou o pé descalçado numa bosta de cachorro, o cós da saia rasgado e a boca sangrando em jorro.
Uma orelha sem brinco, um sutiã já sem alça, um olho de roxo tinto e rasgou-se a meia-calça.
Veio chuva de lavagem, caiu na hora certinha, derreteu a maquiagem e acabou com a chapinha.
De tudo de mal para ela, que não sabia o que vinha, foi ver que a olhar da janela estava a pior vizinha.
Uma mulher quando cai, sabe bem se levantar.
Não lhe interessa a dor nem fica a se lamentar.
Mas que seja bem discreto, que fique o ato secreto, que ninguém saiba sequer, que não se escute o relato ou que não aconteça o fato na frente de outra mulher.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Me importo

Pior é que tem dias que nem o foda-se ligado no último volume me faz esquecer que ainda me importo. É nessa hora que choro.

Tatuada

Ainda é seu nome o que tenho tatuado na pele e que não há sabão que apaque.

Coca-Cola

Quer saber? Não é mesmo essas “Coca-Colas” todas. É sim um mais ou menos, bacana, mas não passa disso. Se pintou com outras cores, é bem verdade, se fez como se fosse assim excepcional e até pra quem tem idade, pareceu especial. Se passou de pato a ganso, se mostrou ser sem ser, tentou, mas não fez valer. É quem é, e não quem pareceu ser. Uma hora ou outra iria transparecer, aparecer, iria ser, prova de fé, quem realmente é.
Acho que ela queria mais, merecia mais, deveria ter mais. Mas, ela, quem é?

É passado

Hoje morreu minha primeira namorada. Morreu longe de mim como vivi longe dela todo o resto dessa minha vida. Morreu sem despedida, sem que eu sequer lhe visse, a sua vida vivida. Morreu como vivemos, na distância, como se o que lembro e ainda vejo, o nosso primeiro beijo, não tivesse nenhuma importância.
Que peso tem em mim meu passado? Que mais pode acontecer?
Ando a viver os dias como se meu presente fosse um eterno nublado sem futuro a merecer.

Fim do dia

O teclado feito em inverno desmaia em mim o fim do dia.Cada tecla uma lápide de palavra não construída e de emoção não sentida.Fica só a certeza que acabou o dia.

Vem

Me dê sua dor, vem, me dê. Não posso ver você sofrer. Seja qualquer dor que seja, essa dor que te azuleja, dor de dente, de barriga, cólica, espasmo sem guarida, dê pra mim não sofra assim. Não permito, não, não quero não, não admito, nem que seja, a dor que você deseja, essa então não quero não.
Se você insiste em ser doída deixa minh'alma partida, perdida, sem razão. Como não sei viver sem porque peço hoje pra você: Me dê sua dor, vem, me dê.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Quenga

Me traga então suas coxas, estas, as mesmas coxas, marcadas pelas mãos de outros homens. Mostra sua boca amada em tantos outros momentos, exiba o corpo nu que ofertas à varejo com tantos sabores na prateleira, seja você, que faz seu dia de galha em galha, em degraus, qualquer degrau desde que o valha. Vem você que finge, e encena por mim, um amor sem fim, que faz soar rumores, de ter tantos senhores, que má, se mostra ferina, que me vem sempre ladina, vem e me tira a paz e me engane como sempre o faz. Vem, toma meu peito infantil, me toma em mais um ardil, que como hábito, canalha, não falha.
Vou estar aqui, vítima silenciosa, que sem uma idéia maldosa, se curva sem asco ao carrasco. Irei, me darei sem orgulho ou retidão, por nunca te dizer não, te vestir em vestes de altar, a me iludir e a te adornar, com flores e verdades de quem só as tem quem as tem, só para poder amar.