Nota:

Minha foto
Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Dizer Não.



Sei que não o faz por mal.
Sei sim que não quer me magoar, ou talvez até não o faça com essa intenção.
Mas também sei que o faz ciente do fazer, finge não poder querer e por assim ser, o deve fazer.
Cada palavra, ponto ou parágrafo não escrito pra mim.
Cada hora, minuto ou segundo do seu silêncio frio.
Cada sim não dito, cada ausência e cada vazio.
Cada olhar, tocar e respirar seu, onde não me encontro eu.
Como quando tantas vezes em minhas noites, insone, me vejo a procurar seu rosto nas memórias de uma imagem do dia, tatuado nos escuros do quarto, talvez me fitando distante com o seu mais cínico e intangível olhar, análogo ao olhar de quem tem olhos apenas para um estranho.
Sei dessas noites, eu bem sei. E ao me perguntar mil vezes por que, mil vezes eu mesmo me disse não sei. Não sei por que você insiste em viver em mim assim.
E assim, me enfio em vontades de lhe fazer ameaças infundadas, ciente que jamais irei cumpri-las, promessas de nunca mais tentar ser percebido por você, me jurando querer crer que não anseio mais você. Nem você nem seus poucos beijos e abraços arrancados à sua misericórdia. Condeno-me a uma distância preceituada e salutar, me prometendo garantir a consciência e o equilíbrio emocional e não mais me deixar sonhar. Afinal se você mesma não se permite sonhar por que razão aceitaria os meus sonhos?
Sem o não querer, sem o não desejar, eu viveria a paz qualquer de uma relação banal sem porvir e nunca mais seria o que sou, passando a ser só um ser, sem ser o meu ser em si.
E passaria a viver menos sem o querer, até não querer viver mais.
Sem rasgar condutas e pré-conceitos, sem penetrar sua indiferença resoluta talvez fingida.
Restaria-me esse seu dissimular, que só me entristece, quando foge à palavra dita na cara, sem vergonha, sem medo, sem guarida, posto tudo que eu só queria, era ouvir ao menos um sim.
E observando ao longe vejo você se entregar aos que não a amam de verdade, sem um gemido, provo o gosto amargo de ser rejeitado na sua convivência, excluído dos seus carinhos e ausente do seu amor.
Sei que não serão meus os seus filhos e não será seu o meu teto.
Sei que não será meu o peito do seu conforto e segurança.
Sei que não haverá o momento da partilha do orçamento.
Sem ser um casal, viveremos apartados. Você resolvida e eu conformado.
Sem meus olhos sobre você a velar seu sono eternamente amargurado.
Restaria-me a migalha imunda de um amor banido, a sobra da sua consideração jogada na sarjeta por outros amores, que me exilam e que nem ao menos sei quem são. Eles ficam com o melhor do seu mundo. Eu fico com o resto, o sobejo, o excesso, sobras de você que ninguém quer ou necessita e onde sacio meu amor em silêncio.
Deus! Mendigo por tão pouco. Se meu corpo tosco não lhe atrai toque ao menos minha alma.
Pois sempre estive aqui perto da sua vida, o primeiro a chegar e o último a sair, todos os dias desde que te conheci, aguardando passivo a minha vez na fila dos importantes pra você. Um momento que não chega nunca. Solidário, amigo, prestativo, servil, seu cúmplice a trair meu amor próprio e meu próprio amor.
A cada fim de dia a certeza de não ter obtido nem a sua dúvida, não por dívida, entardece em mim.
E você some junto com todas as palavras, emoções e gestos que não pude te dar. Sem nem adeus.
Anoiteço. A alegria diurna da expectativa vai-se transformando em dor, um sofrimento rotineiro ao qual você não se acostuma nunca e passa a implorar por um fim, qualquer fim. Uma palavra final que assassine esse amor em mim por crueldade ou o mate em eutanásia por compaixão. Mas que faça parar essa dor.
Cumprirei a dura pena da ausência de suas carnes e jamais te terei profana, puta, mundana.
E digo assim de forma insana porque não faz parte de ti o que não possa querer.
Eu desejo também o seu corpo sim e eu, eu sim o faço por mal. O meu mal.
Pratico essa tortura em vão, última lágrima da razão, derramada pelo direito de sentir tesão.
E sem ter o seu amor, o seu sim, vejo o que restou da vinha vida e estou a um passo de me dizer não.

Dizer Sim.



Sei que o faz por bem.
Sei sim que quer minha alegria e o faz só com essa intenção.
E também sei que o faz ciente do fazer, ao dizer querer e por assim ser, o deve fazer.
Cada palavra, ponto ou parágrafo que escreve pra mim.
Cada hora, minuto ou segundo que escuto sua voz.
Cada sim dito, sua presença, sua existência.
Cada olhar, tocar e respirar seu, onde me encontro eu.
Como quando tantas vezes em minhas noites, propositadamente insones, vejo seu rosto lindo nas memórias de uma imagem do dia, tatuado nos escuros do quarto, me fitando tão próxima com o seu mais doce e verdadeiro olhar, análogo ao olhar de quem tem olhos apenas para a pessoa amada.
Sei dessas noites, eu bem sei. E ao me perguntar mil vezes por que, mil vezes eu mesmo me disse sim eu sei. Sei sim por que você vive em mim assim.
E assim, me enfio em vontades de lhe fazer promessas, ansioso por poder cumpri-las, promessas de sempre perceber você, de querer cada dia amar mais você. Você e seus muitos beijos e abraços onde encontro um céu tão seu. Coloco-me então mais perto de você, me prometendo perder a consciência e o equilíbrio emocional e me deixar sonhar muito mais. Afinal, se sou eu que estou nos seus sonhos por que eu mesmo não me permito aceitar você nos sonhos meus?
Com tanto querer, com tamanho desejar, eu vivo a loucura qualquer dessa relação deliciosa cheia de porvir e só assim para sempre poderei ser mais do que sou, um ser melhor, por ter seu ser em mim.
E passaria a viver mais com o seu querer, até querer viver muito mais.
Rasgando condutas e pré-conceitos, a penetrar sua existência resoluta e tão sincera.
Abraçaria esse seu se entregar, que só me enche de alegria, quando me fala a palavra dita na cara, sem vergonha, sem medo, sem guarida, posto tudo que eu só quero é lhe dizer sim.
E observando de perto vejo você se entregar a mim um amor de verdade. Em júbilo, provo o doce sabor de ser aceito na sua convivência, inserido em seus carinhos e presente no seu amor.
Serão meus os seus filhos e será seu o meu teto.
Será meu o peito do seu conforto e segurança.
E haverá o momento da partilha do orçamento.
Sendo um casal, viveremos juntos. Você decidida e eu realizado.
Com meus olhos sobre você a velar seu sono eternamente apaixonado.
Abraçaria o banquete desse amor assumido, toda a nossa paixão exibida diante de todos sem exceção. E eu teria o melhor do seu mundo. Cada pedacinho lindo de você, detalhes que só eu sei e que tantos desejariam e morreriam de inveja ao saber.
Deus! Eu quero mais sim. Se teu corpo me atrai imagine tua alma.
Estarei sempre aqui perto da sua vida, o primeiro a chegar e o último a sair, todos os dias que me restam da vida ao seu lado, sabendo que sou o primeiro na fila dos importantes pra você. Um momento eterno. Cúmplice, amigo, parceiro, feliz e cheio de amor próprio inspirado pelo seu próprio amor.
A cada fim de dia a certeza de ter obtido a sua certeza, não por dívida, entardece feliz em mim.
E vem você a mim com todas as palavras, emoções e gestos sem pensar em dizer adeus.
Quando finalmente anoitecemos, a espera diurna na expectativa transforma-se em pura alegria, um sentimento inédito a cada dia quando o coração saltita infantil lambuzando-se na sua imagem viva e escuto sua palavra renovar a certeza em mim renascendo cheio de paixão. Você diz: Te amo.
Cumpro então o rito sagrado do prazer e tomo sua carne reconstruida pura, casta, angelical.
E digo assim de forma natural, porque tudo que quero faz parte de ti.
Eu desejo sempre o seu corpo sim e eu, eu sim o faço pelo bem. O meu bem.
Pratico essa delícia que é amar você, celebração pura da paixão, derramada em puro tesão.
E tendo o seu amor e sendo assim, agradeço pelo resto da vida em mim e decido me dizer sim.

Falar dos outros.

Não convide ausentes para sentar à nossa mesa. Fale mal de mim ou de você. Ausentes presentes azedam até o melhor vinho e amargam a doce companhia.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Memória amarga.

Recostado ao balcão da varanda e olhos perdidos no horizonte de luzes aos seus pés ele mordeu os lábios mais uma vez. Na noite quente, a fria solidão era sua maior inimiga. A solidão fazia-o pensar quando pensar era tudo que ele não deveria fazer.
Ultimamente ele andara mesmo a lembrar velhas bobagens amareladas pelo tempo e nesses vazios da alma, copo à mão e cigarro nos lábios, voltava-lhe a mesma dor passada, que repassada mais uma vez, faria doer tão agudo quando da primeira vez.
Indiferente ao seu penar a memória o traía. O longo e fino cabelo sobre o rosto já se grudava às lágrimas enquanto o corpo nu tremia sem porque.
Subir-lhe-ia então à boca o sabor do vinho velho e azedado que mataria sua sede estúpida. Releria cartas mentalmente, ecoariam palavras ao telefone, reviveria imagens turvas de cenas que nunca presenciara.
Com o mundo nas mãos, ele açoitaria ao vento a ânsia do seu presente desejando nunca ter tido passado e não se permitiria vontade alguma de viver qualquer futuro.
Há coisas que a gente nunca esquece e ao mesmo tempo nunca deve lembrar.
—Algum dia voltarei a ser feliz e então, estarei vazio de você.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Amar uma estrela.

Sentia-se afortunado por ter um pouco daquela luz.
Por tempos a seguiu distantemente, amarrado à um silencioso e frágil laço, na esperança que um dia aquela estrela pudesse cair, e ele, tomando-a em suas mãos, seria importante pra ela. E ela, estrela, seria só dele.
Acenou, fez fogueiras, acendeu mil lanternas pra chamar sua atenção. Incendiou um quarteirão, fez farol, clarão, mas, findas as noites, ela se recolhia distante e intocável. Sem ao menos dizer não.
Seu pulsar irrestrito o acalentava. Ela brilhava para todos indistintamente e por se sentir mais um suportava não possuí-la.
Numa noite por nada, descobriu que a estrelinha freava sempre sua órbita sobre uma cabana à beira de um lago e cintilava intensamente. Sentado à serra, ele passou a esperar todas as noites, eternizadas no ciúmes, a ver o astro parado sobre uma cabana que não era a sua.
Numa madrugada fria foi a cabana que não a quis mais ali pairando e fechou suas janelas. De longe, ele viu quando a estrela quase se apagou. Apaixonado, ele recolheu seus últimos raios refletidos nas águas e os guardou no peito. A dor do ser amado é mais forte que a dor de amar sem ser amado. Ele nunca saberá se foi o seu amor que lhe devolveu a luz, e, foi refeita em luz que ele a devolveu ao céu.
Hoje ela já brilha mais forte. E ele que a seguia, mesmo nos momentos mais opacos de sua trajetória celeste, pode agora inundar-se em sua luz na certeza de que, mesmo ao seu modo, essa estrela lhe segue também.
(e.)


Sem pai nem mãe.

Somos todos órfãos de alguém. Mas só eu, me sinto órfão de mim mesmo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sapeca.

Saltitando, sem sentir, segue seqüenciada sua saga solta.
Sente sua sedução saciar sedes. Salva sonhos selecionados sobrescrevendo sentenças sutis, sabe-se saboreia seu sucesso sem sacrifício sem sequer saciar-se. Serena, sagaz, sensível, sara sandices sensatamente só sorrindo. Se solta, sobrevive, sorri, segue sempre. Saca sonhos sensíveis, sinônimos singulares sem sínteses, sem soberbas. Sutilmente. Sinal sobrenatural.
Sóbrio, sigo-lhe sorrateiro, soslaio silencioso, sincero, sigo sem sagacidade, só simples seguir sem segredo.
Sinto-me seqüestrado, sem ser sovina sou suave.
Seja sim.
Sempre.
(e.)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

De mudança.

Encontrei a mala na porta e meus sonhos dependurados na maçaneta.
No preguinho na porta uma plaquinha alertava “Feliz Natal”. Já era Fevereiro.
Além daquela porta tudo continuaria Dezembro.
Abri com receio a tranca como quem abre o quarto dos pais à noite. Olhei aquela sala vazia, ali só restava uma cicatriz.
No papel de parede, manchas de nossos retratos, antes dependurados, faziam-se de fantasmas impressos em silhuetas pálidas.
Havia no chão um catálogo telefônico, listas e listas de pessoas que nunca vimos e que nunca iríamos conhecer juntos. Um documento mudo de um passado que jamais acontecera.
Nenhuma carta. Velhas folhas de papel em branco, amareladas pelo inútil descansar em gavetas, ainda aguardavam, espalhadas em silêncio, pela tinta que nunca viria.
Um telefone inútil expunha fios em entranhas desligadas.
Não havia móveis.
Uma única meia branca pastava no carpete marcado pelos vai e vens , mas era só uma, não um par, como se par nunca houvéramos sido.
No canto do quarto,oco de emoções, as paredes se encontraram num reto sussurrar.
— Olha ele ai de volta. — cochicharam.
Não havia volta, havia ida apenas.
Ela havia mudado de mim.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Confiar.

Mais lindo do que tudo que cerca essa palavra é que se pode percebê-la num único gesto. E gestos são lindos sempre.
Você não se questiona se é verdade ou não, você apenas toma nas mãos o fato e o aceita plenamente. Há uma entrega cega, sempre agradável e doce, sempre um ato de fé que dispensa o raciocínio. É a plenitude da amizade o confiar, é um requisito do amar o confiar. O não precisar de porquês, de senões, de talvezes quando há certeza, tranqüilidade e há sossego, desapercebidamente ganham força em mais um gesto. É quando você, e o confiante em você, crescem, multiplicando a confiança.
A confiança que temos em nós mesmos, reflete-se em grande parte, na confiança que temos nos outros, ela é cura.Não letro sobre ser um homem de confiança ou até, digno dela, ou dar confiança,  dar a senha, ou  a auto confiança, fé. Falo do confiar no outro, falo da mão sempre dada, falo da não necessidade de nem olhar, tocar de ouvido, olhos fechados, cumplicidade, certeza. Ai, só tem uma palavra: Confiar.
Falo de quando, ao mar bravio, deixar o leme na mão do outro e ir apenas olhar o mar, pondo os olhos no horizonte de ambos e não baixar as vistas ao lastro no barco.
Falo do não me importa se posso cair se você me diz vem. Falo do não preciso nem falar isso porque você já o sabe. Do nem pergunte, do não tem por que.
Da confiança frutifica o amar, a presença do voto de confiança une. A falta dela corrói tudo.
— Toma minha mão, vem, só há cores lindas no horizonte. Confie.


terça-feira, 6 de outubro de 2009

Um cheiro assim.

Não posso olhá-lo, encarar mal consigo, não nos olhos. Não corresponder magoa-o, sei que sim, e não o quero magoar. Já me magoei demais e sei o gosto que tem a mágoa. Mas gosto da sensação de estar perto, que me incomoda, mas faz bem. Gosto de participar da sua vida e nisso me sentir correspondida, de saber o que se passa, de sentir onde se anda e onde se vai chegar mesmo não querendo perguntar como ele passa, onde ele anda e aonde ele quer chegar. Falo e falo como se de nada mais pudesse falar, como quem tenta calar o que não quer ouvir. Antecipo seu tocar em mim, me esquivo, evito, suspiro, o admiro e me admiro de mim mesma ao me ver esquivar. Mas devo sim. Tudo seria muito bom se não fosse assim.
Duas vezes por ano nos abraçamos em parabéns pra você. Aquele abraço era o lado bom da vida, mas para valorizá-lo eu precisava viver. E que irônico: pra viver eu precisava perdê- lo.
Queria que esses abraços não tivessem fim, pois sem fim, fica o cheiro dele em mim.
(e.)

Esquecer.

Só o esquecimento legitima a entrada do novo. Esquecer é o bem da alma doida.

Feliz assim.

Não tem nada legal na TV, ta chovendo e não vai rolar parquinho, sinto cheiro de fígado fritando na cozinha, éca, não quero almoçar, sou o mais baixinho da minha sala, esse quarto deveria ser azul, alguém pegou meu chocolate, meu robô está sem bateria, detesto a vizinha estudando piano, minha bola rasgou de tão velhinha, não posso pular na cama, queria ver Papai Noel, amanhã tem aula de matemática, meu nariz ta escorrendo, já sei todas as fases desse Vídeo Game, tenho medo do escuro, não gosto mais de skate, eu sempre caio, não sei comer com garfo, esse remédio é horrível, minha mãe não me deixa comer Chips, o Marquinho tem os melhores carrinhos, perdi minhas figurinhas do álbum...
Ele, deitado na cama, perdia-se em pensamentos tristes.
A porta se abriu. Ela entrou saltitando em seu melhor vestidinho de crochê.
— Eu vim aqui só pra te dar um beijo. — disse a menina sorrindo.
O mundinho dele então transbordou-se de alegria.
(e.)


Ciúmes.

Ao ciúme tudo serve de alimento e nada serve de remédio, nele há mais amor próprio que amor.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Vida de bailarina.

Ali era o real. O físico, o químico e o emocional existiam. Calos, varizes e luxados, torções e machucados, se mesclavam às dúvidas, anseios e incertezas, e a um suplicante rosário de vazios no peito, todos sem chãos, sem nós e sem amores.
Era a coxia. Ali ainda era o mundo mal e real onde aguardava entrar em cena.
Até que veio a luz.
Lançou-se ao ar em salto preciso, salto calculado, estudado e praticado como quem usa um bisturi aos olhos da platéia. Mal tocou o chão de tábuas, lançou-se ao ar novamente em fuga de fôlego e num rodopio ímpar, espalhou sua graça pelo teatro. Sorria a bailarina. Só a música a possuía neste outro mundo fugaz completamente entregue.
Quanta graça, quanto encanto. Só sonhos e um feliz bailar. Ali não havia espaço para a dor de viver. Ela era pura dança. Espetacular.
E a platéia ergueu-se em aplausos entusiásticos, em hurras e vivas a sua arte.
Uma reverência, um ramalhete jogado aos pés e já estava a cortina a se fechar outra vez.
Por trás do pano pesado, o fim dos refletores.
Torções e machucados, de volta aos bastidores.
Guardarei em mim os passos da bailarina e pra sempre serei ungüento para suas dores na coxia.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

In vino.

Seria um papo e um vinho. Uma ou duas taças talvez, talvez banal, trivial, frívolo até.
Não o foi.
No momento em que ela entrou na varanda do pequeno bistrô e seus saltos tocaram o assoalho, polido com esmero, o mundo parou. Um sonho em mulher caminhava por entres as mesas, congeladas no tempo, onde sabores foram acentuados, aromas se perpetuaram e todas as contas a pagar foram suspensas. As pequenas luzes, dependuradas nas árvores, faiscavam de alegria e excitação. Velas brancas às mesas exibiam suas chamas retas e perfiladas, não ousando tremular bruxuleantemente sobre seu rosto impecavelmente maquiado. Guardanapos de linho de curvaram em reverência. Todos os sorrisos permaneceriam tatuados para sempre nas faces dos demais clientes.
Quando a viu sentar-se à sua frente, como uma infante ao trono de tanta candura e poder, ele sentiu uma brisa leve de tocar-lhe o rosto refrescantemente. Ela o olhava nos olhos em silêncio e o silêncio dela confessou-lhe sim, que sabia de todos os seus segredos.
O bom tinto já a aguardava servido. Mas foi a taça à frente dele que ela tomou nas mãos. Bebeu um último gole que lá restava e então sumiu por encanto.
E a partir daquele dia, os lábios dela surgiriam marcados em todas as taças em que ele bebesse, como se impressas estivessem todas as palavras ainda não ditas.
e.