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Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Preste atenção

   Preso no engarrafamento dei-me a observar a rua e seus habitantes. Gosto de me pegar fazendo coisas e me dar conta de que as estou fazendo, é quando meu fazer apura meu sentir. Assim, ciente do observar, construo conceitos sobre o que vejo:
   O cara à frente deve ter um péssimo gosto tirando pelos adesivos colados no vidro do carro, o suado moreno gordo, bolso da camisa cheio de pedaços de papel e que tenta atravessar a rua é daqueles que está sempre atrasado, a estudante sequinha de braços fraquinhos para tantos livros, certamente sonha com o sucesso, um dia, ou ao menos, por um dia. Apavorada no caos urbano, uma talvez mãe, trás duas crianças pelas mãos, ela toda arrumadinha e cheirosa, ele, todo descabelado, boca lambuzada de doces. Ela a queridinha, ele o danado.
     Casas, prédios e estabelecimentos comerciais também traduzem certas sensações:
   Não há muito escrúpulo num dono de farmácia que oferta, em faixa de murim, anti-espasmódicos como necessários enquanto a placa, pensa e faltando letras, na porta da papelaria traduz a qualidade do material didático que vende. Os reclames fajutos pintados no muro da escola me fazem também pensar no que realmente eles ensinam ali dentro.
Interpretações, impressões, conclusões.
   Há enganos também sabe? Olhando aquelas casinhas brancas, siamesas por economia, aquelas que os militares ocupam quando são transferidos para nossa cidade, sabe de quais estou falando, não é? Elas são assim... sem personalidade. Nenhuma cor, nenhum jardim, nenhum quadrinho de mal gosto nas varandas esquálidas. Não possuem sequer uma caixa de correio criativa ou até mesmo um vira-latas a latir no portão para lhes emprestar identidade. São casas iguais, de telhados iguais, de muros iguais. São casas tristes.
   Mas desce então do coletivo barulhento um farto sargento do Batalhão de Infantaria de Selva, para quem de nada adianta a camuflagem recortada no muro branco de uma casa tão igual. Uma das casas tristes. Na calçada, mal contendo os sorrisos, uma farta esposa de um sargento do Batalhão de Infantaria de Selva, abre braços amplos antecedendo o caloroso abraço.
   O engarrafamento não andava e a cena do casal, agora já se beijando em plena via, mostrava meu engano.
    Más interpretações, más impressões, más conclusões.
   É o olhar da gente que cria a imagem e não própria imagem em si. Não é possível enxergar adiante quando nos basta apenas o ver.
   As vezes parecemos casinhas brancas, tristes e iguais. Mas certamente podemos abrigar um mundo colorido, alegre e único. É só prestar atenção.

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