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Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Passional

Ainda chovia quando seu corpo escorreu pela parede fria até desconjuntar-se como uma marionete abandonada num canto qualquer.
Numa poça d'água ela se fez trapo. Enrolara-se numa manta puída, velha companheira do mesmo sofá, onde tantas vezes sentaram-se e riram muito da vida alheia, fazendo dessa manta sua armadura contra a dor da lembrança.
Fora sentada no mármore frio da varanda, com os cabelos ainda molhados do banho mal tomado, pingando lágrimas no corpo mal enxuto, que ela assistiu da varanda ao dia acordar.
Amores traem, a memória trai, a meteorologia trai. Amigos nunca deveriam trair. Deveria existir um pacto de amizade incapaz de ser quebrado senão de comum acordo. Um seguro contra amigos traidores ou pior: Falsos.
Não havia removido a maquialagem. Fios negros de rimel demarcavam a rota das lágrimas, o batom, esfregado a esmo tantas vezes, pintara-lhe na boca um sorriso de palhaço. Palhaça, era como se sentira. Traída, era como seria lembrada dali em diante. Punhalada, era a dor imposta às costas pela amiga infiel.
Saiam do cinema como sempre faziam às quintas, iriam a um clube dançar e paquerar os rapazes, beberiam, ririam, reavivariam aquela amizade de meninas cúmplices. Mas não, ao atravessar uma rua, a amiga a segurou pelo braço evitando que fosse atingida pelo carro que passava e gritou:
Cuidado Zenaide!
Zenaide? Que Zenaide? Seu nome era Zuleica. Estupefata, ela sairia dali aos prantos e beberia só e choraria só e só, sentiria a dor da provável traição da amiga até chegar trôpega ao velho apartamento.
No chão molhado da varanda uma voz ainda ecoaria dentro da sua cabeça: Cuidado Zenaide! Cuidado Zenaide!
Mas seu nome era Zuleica e aquela amizade jamais seria a mesma.

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