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terça-feira, 2 de março de 2010

Pensar inseto

Era uma parede não uma saída. Não sei nem, se até, foi mesmo por querer se esbarrar que ela se esbarrou na primeira vez. Mas o fato é que ela se esbarrou na parede sim. E caiu, percorreu num voo sem movimento horizontal toda a extensão fria e branca do obstáculo até pousar as patas no chão. E lá, por instantes, pareceu refletir, conjecturar, calcular e tentar solucionar o enígma do porque não ir adiante, pareceu pensar até. Até que voou outra vez erguendo-se do solo como se peso algum houvesse. Agora sim acharia a saída.
O inseto ergueu-se com tanta determinação que ao vê-lo abandonar o chão, de tacos de madeira, parecia que seus cálculos de seguir viagem o fariam virar-se. Sim, cento e oitenta graus, parecia que a libélula, ao pensar, entendera que era necessário uma reviravolta nos seus planos pois às costas estaria sua “liberdade” rumo ao centro da sala onde estariam a sala em si, móveis, luzes e novos lugares a explorar, novas janelas e portas e outras rotas. Caminhos, destinos, opções, estava tudo ali à apenas cento e oitenta graus. Era só virar e seguir.
Mas outra vez não. O tre-le-le das asas e a total falta de deslocamento apontavam a decisão ilógica de ainda tentar transpor a fria e impassível parede branca. Voava em diagonais semi-circulares num vai-e-vem frenético, ruidoso e de malfadado sucesso, de encontro a solidez impávida do obstáculo imobiliário. Uma parede, que branca era, por refletir a luz da sala.
 -Olha diabos inseto! É uma parede. Vira-te e segue tua sina incerta mas sina, e te desiste de enfrentar o sólido fim-de-caminho que se aponta em tal direção. Tenta outra.
A minha erudição do berro não a fez dissuadir-se, visto que, fez-se em voos repetidos por horas e horas sempre no mesmo caminho obstaculado. Era um bater de asas em tre-le-le e novo pousar no chão de tacos de madeira.
Ao seu lado, ali também em silêncio, uma porta de correr entreaberta mostrava a noite estrelada, adiante à varanda, exibindo o horizonte de luzes meio ao escuro à seus pés. Mas era noite. Jamais naquele pensar inseto seria aquele escuro, o símbolo da liberdade para quem busca a luz, mesmo que apenas refletida, no branco de uma parede intransponível.
Por toda a noite a libélula tentou transpor a parede iluminada, só com o amanhecer e o sol, quando a porta aberta se refez em luz de dia, foi que o animal tornou, apenas noventa graus, e voou liberto num destino incerto, mas seu, sem mais se iludir por reflexos ou trapaças de quem não percebe que por vezes é na escuridão, e não na luz imaginária, que se encontra a liberdade futura.

2 comentários:

Vida... disse...

Por vezes temos atitudes de um pensar assim...

Pascoal Gemaque disse...

Kafka... mas o inseto é outro.
Agora é escrever sobre a barata e a lagartixa, que na minha terra é chamada de "osga". Barata é barata mesmo.
E libélula é "jacinta".