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Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

Escolha a dose.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Tão pardo

Talvez fosse aquele relógio enorme na torre da estação a única testemunha de tudo. Às sete e trinta ele chegava caminhando à esquina no centro da cidade e às sete e trinta e cinco corria para o alto a pesada porta de ferro ondulado, abrindo a garganta de promessas da banca de revistas.
Às oito já estaria sentado no velho banquinho de madeira, tampo polido por vinte e cinco anos de fundos de calças, tão amassadas quanto o papel da maçã. Cigarros, barbeadores descartáveis, cartões telefônicos, balas, chocolates e uma indescritível variedade de pequenas coisinhas brilhantes e plastificadas, confundiam-se às capas de revistas e manchetes de jornal. Ali, emoldurado por tantos matizes, ele permaneceria pardo até às dezoito horas.
Era por já não distinguir os diferentes sabores das guloseimas que ele mesmo vendia sem provar, por não retribuir os sorrisos de tantos artistas a lhe fitar, permanentemente estampados em papel couché, por já não se sentir tocado pelas imagens apelativas de acidentes, assassinatos e escândalos noticiados e por já não mais conseguir contar quantas mãos lhe eram estendidas por dia, sem que uma sequer fosse para apertar a sua, que ele parara de sorrir.
A banca de coloridas ilusões momentâneas não era seu viver, pois seu viver se tornara olhar àquele relógio na estação.
Havia horas que ele realmente odiava o pesar dos minutos de realidade estampados nele. Via em segundos, seus sonhos se perderem na poeira de um tempo não vivido e agora tão pardo.



Um comentário:

Bruna Guedes disse...

A tristeza sempre foi e será a inspiração do poeta...