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Menino besta cheio de sonhos aprisonado no corpo de um homem sóbrio e cheio de desejos.

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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Olhe pra mim


   Nesse exato momento, oito e quarenta e cinco da noite, acabei de sair do meu chuveiro e abri a janela pensando no que tenho pra fazer amanhã.
   Pela janela, vi o resto do mundo sem que o mundo pudesse me ver:
   São 21:50 em Buenos Aires e Eva chora sentada no chão do chuveiro, relembrando em culpas, os momentos terríveis do aborto praticado mais cedo.
   6:24, Nova Deli. Abhaya, 12 anos, tempera abobrinha com pimenta para o desjejum, com o chá de cardamomo, enquanto agradece a Mahadevi, um deus.
   O velho Abadir, no leito de palhas em Atenas as 3:55, acorda assustado com a lembrança dos pára-quedistas alemães que ainda o assombram.
   Augustin também não dorme às 2:55. Olha o teto fixamente ao imaginar-se na praça de touros em Madri pela manhã.
   Li, de Pequim, matou uma galinha as 8:57. Era a última. Ela esperava vender no mercado, mas a fome falou mais alto.
   17:56, em Seattle, Anne Marie caminha com o frio da tarde, esperando não ser assaltada até chegar em casa.
   Em Dublin são 1 da manhã, Devlin, sentado na sala escura, olha a última pilha de batatas guardadas para uma sopa. Desde os atentados ele não arruma emprego. Seus filhos dormem.
   4 da madrugada, Cartum, Sudão, Sidding esconde a última barra de chocolate, salva das mãos de vizinhos, na luta por mantimentos atirados pelos pára-quedas da ONU.
   3 da tarde, em Honolulu, Malu devora sua quinta asa de franco sentada na frente da TV.
   Quase 8 da noite em Lima e Ruan ainda está limpando o altar, na Igreja de Miraflores, para a missa da manhã seguinte.
   Em Apia, 3 da tarde nas Ilhas Samoa, Drika finalmente morreu. Parentes e amigos estão de pé na porta da tenda tosca. Os homens açoitam-se e as mulheres choram em silêncio.
   11 e meia, perto de Adelaide, Gundoii, um aborígene, escolheu a sombra da última árvore como local ideal para esfolar o canguru abatido.
   E em Nuuk, Dinamarca, 10 da noite, a esperada Giselle finalmente nasceu. Ela tem Síndrome de Down e será muito amada por seus pais.

Por vezes, a gente consegue ver muito além das nossas janelas.
Por vezes, a gente consegue ver um mundo inteiro ao nosso redor.
Por vezes, a gente consegue ver alguém muito longe da gente.
Por tanto tenha certeza: Sempre, ao menos uma pessoa, está olhando pra você. Agora.


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5 comentários:

Lú (Simples assim) disse...

Por vezes, a gente até duvida que isso aconteça e por vezes, é um sentir fascinante.

Revista Cool is SL disse...

Hummmmm realmente e lindo esse texto, gostei desta forma de se olhar pela janela

Ana disse...

Muito foda a sua viagem janela à fora. Já eu vivo um momento oposto e estranho. Momento de olhar pra dentro, de avaliar as estruturas internas, de jogar caixas velhas há muito abarrotando os porões da alma. Estou tentando me reencontrar em mim.

Kate disse...

Um momento pra parar de olhar para o próprio umbigo e ver que tem mais vidas à sua volta que podem ser boas ou ruins, melhores ou piores que a sua mas ainda assim admiráveis vidas.
Tem alguém olhando pra mim... e eu sempre de olho em alguém.
Lembrei daquele clip http://www.youtube.com/watch?v=Us-TVg40ExM
e achei que combinava com seu texto, resolvi relê-lo ao som da musica o que só me fez chorar. Emocionante!

David Sento-Sé disse...

Concordo que é difícil acreditar as vezes.
Concordo que há horas de olhar pra dentro e há horas de olhar pra fora.
Mas acreditem, ao menos uma pessoa está olhando você agora.
Beijos e obrigado pelos comentários.